segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Valter di Lascio - o poeta das ruas.

Eu tinha acabado de pedir um X-tudo e uma coca-cola, quando o di Lascio apareceu, colocando um livrinho miúdo (na verdade, uma porção de páginas xerocadas e mal grampeadas) do meu lado. Sem dizer nada, barba grande, maltrapilho, ele se sentou num banquinho ao lado e esperou.

Abri a Xerox aleatoriamente e vi em letras garrafais:

CANIBALÍSTICAMENTE CORRETO

Hoje estou com a fome dos canibais,

Devorar os bispos e os cardeais.

Larguei o sanduíche na hora. E então abri outra página, não conversamos nada nesse meio tempo, a não ser por olho: os meus surpresos e os dele como de quem já compreendia esse tipo de reação, e então veio:

Sonha Dor

Mania de sonhador

Que sonha andando

Sonhei com canções nunca ouvidas

Sonhei com suas pernas me entrelaçando

Teu sexo me roçando

Teus dentes me rasgando

Sonhei que era sonhador

Que não sente dor

E ao olhar-me no interior vi então

Que estava sangrando.

Por trás da barba enorme e esbranquiçada, ele me contou que ingressou no curso de história da Unesp. Mudamos de Assunto. Que importava se o curso da Unesp tava andando por aí, com uma bolsa azul pendurada de lado? Eu quis saber do Valter di Lascio poeta. E esse cara que era energia, movimento, por trás de uma barba mal feita e amarelada pelo cigarro. Que tinha cansado do sistema, da falta de incentivo, da nossa ignorância, dessa visão enfadada que ignora a necessidade de cultura. E dessa própria necessidade que passa desapercebida.

Depois me recitou um poema boêmio, que eu retribuí com um sorriso largo. E a gente teve de ir. Cada um prum lado...

Fiquei com a Xerox, de impagáveis R$ 2,50, um beijo no rosto, e um vazio enorme de tudo o que eu não perguntei e da cerveja que a gente não tomou.

Vanessa Daiany.